sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O Inssinu no Brasiu è otimo!

                                              
     A edição 2.074 da revista Veja cuja capa sentencia: “O inssinu no Brasiu è otimo”, discorre a respeito de um tema que, por ser de ordem pública, teria por si mesmo larga abertura para questionamentos fundamentados, não fosse a falta de tato – já conhecida – do semanário mais lido do país.
     O mérito da questão de interesse social, no entanto, não se enveredou pelo caminho da sensatez ou da pormenorização de observações eficientes em relação ao ensino das crianças e adolescentes brasileiros.
     Levados a acreditar em uma massificação ideológica, os leitores da edição se depararam com frases como: “Muitos professores e seus compêndios enxergam o mundo de hoje como ele era no tempo dos tílburis. Com a justificativa de "incentivar a cidadania", incutem ideologias anacrônicas e preconceitos esquerdistas nos alunos”; ou ainda: “A doutrinação esquerdista é predominante em todo o sistema escolar privado e particular. É algo que os professores levam mais á sério do que o ensino das matérias em classe”.
     E finalmente: “Muitos professores brasileiros se encantam com personagens que em classe mereceriam um tratamento mais crítico, como o guerrilheiro argentino Che Guevara, (...). Ou idolatram personagens arcanos sem contribuição efetiva à civilização ocidental, como o educador Paulo Freire, autor de um método de doutrinação esquerdista disfarçado de alfabetização. Entre os professores brasileiros ouvidos na pesquisa, Freire goleia o físico teórico alemão Albert Einstein, talvez o maior gênio da história da humanidade”.
     Paulo Freire foi o maior educador brasileiro e já é apontado como um dos maiores da humanidade. Sua obra mais conhecida – A Pedagogia do Oprimido – já vendeu mais de 450.000 exemplares e nos emoldura como agentes da história, acima da condição de objetos que os processos de opressão dos miseráveis tanto nos fazem crer.
     Com honra consolidada, Freire foi intenso construtor da formação cidadã brasileira, pensou e produziu o método de alfabetização de adultos que leva seu nome, não distinguiu credo, cor, etnia, sexo, classe social ou idade daqueles que defendeu com afinco e credibilidade; a edição da revista Veja do dia 20 de agosto de 2008 atribuiu-lhe ofensa e envergonhou-nos a todos como brasileiros.
     Ao fim da reportagem de 16 páginas, nenhum pedagogo foi entrevistado e duas aulas de educadores foram expostas de maneira imprudente e maliciosa. Dessa maneira, é explícita a tomada de posição da diretoria da revista que faz esforços para não se lembrar do código de ética que rege seu serviço e que de tão pendente à direita, torna-se manca opinião.
     No código de ética dos jornalistas brasileiros, encontramos:

Capítulo I - Do direito à informação:
Art. 2º Como o acesso à informação de relevante interesse público é um direito fundamental, os jornalistas não podem admitir que ele seja impedido por nenhum tipo de interesse, razão por que:
     I - a divulgação da informação precisa e correta é dever dos meios de comunicação e deve ser cumprida independentemente da linha política de seus proprietários e/ou diretores ou da natureza econômica de suas empresas;

Capítulo II – Da conduta profissional do jornalista:
Art. 6º É dever do jornalista:
     VIII - respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do cidadão;
      X - defender os princípios constitucionais e legais, base do estado democrático de direito;

Capítulo III – Da responsabilidade profissional do jornalista:
Art. 12. O jornalista deve:
     I - ressalvadas as especificidades da assessoria de imprensa, ouvir sempre, antes da divulgação dos fatos, o maior número de pessoas e instituições envolvidas em uma cobertura jornalística, principalmente aquelas que são objeto de acusações não suficientemente demonstradas ou verificadas;
     III - tratar com respeito todas as pessoas mencionadas nas informações que divulgar;

     Dessa forma, mais que distorcer as informações reportadas ao grande público, a revista Veja feriu artigos éticos do código jornalístico e, com base no inciso X, do artigo 6º, do capítulo II, do referido código, também desrespeitou os princípios legais e constitucionais do Estado brasileiro, vigentes, por exemplo, no Código Penal desde 1940.
     O capítulo V, do Título I, da Parte Especial do Código Penal Brasileiro se refere aos “Crimes Contra a Honra”. Neste capítulo, encontramos os artigos 138, 139 e 140 que tratam, respectivamente, dos crimes de Calúnia, Difamação e Injúria. Distingo-os:
     Calúnia apresenta-se como atribuição, a outrem, de responsabilidade falsa de ação tida como crime nos moldes do mesmo código; difamação é a atribuição de um ato ofensivo à reputação de outra pessoa e injúria consiste em imputar qualidade negativa e/ou ofensiva à dignidade ou decoro de alguém.

Código Penal - CP - DL-002.848-1940
Parte Especial
Título I – Dos Crimes Contra a Pessoa
Capítulo V – Dos Crimes Contra a Honra

Calúnia
Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena - detenção, de seis (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propaga ou divulga.
§ 2º - É punível a calúnia contra os mortos.

Difamação
Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

Injúria
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena - detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.

Disposições Comuns
Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:
III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria.

     Assim, notamos com clareza as mazelas cometidas pela revista Veja à honra e à memória de Paulo Reglus Neves Freire, morto a dois de maio de 1997, data, felizmente, posterior à má intencionada reportagem que entrou para o rol das piores e mais distorcidas apurações do semanário.
Transtornado com a capa,
Cazuza chegou a se hospitalizar.
[clique para ampliar]
Cadáver ensanguentado é capa da
Veja ao tratar do Eldorado dos
Carajás [clique para ampliar]

Dois meses antes de se tornar
presidente, a Veja elege FHC.
[clique para ampliar]
     Foram atingidos direitos éticos que deveriam encabeçar uma apuração justa e eficiente, mas, ao contrário do esperado de uma edição de tão grande circulação, o decoro e o dever foram esquecidos e o dano causado à memória e honra de Paulo Freire chamaram mais atenção do que o problema, atual e verdadeiro, da precariedade dos ensinos público e privado do Brasil.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails