sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Estação Carandiru

ESTAÇÃO CARANDIRU
-Dráuzio Varella-

Lançado inicialmente em 1999 pela Companhia das Letras, Estação Carandiru é um livro de linguagem simples,marcadamente impactante que relata o dia-a-dia do  trabalho voluntário do médico Dráuzio Varella na prevenção à AIDS na Casa de Detenção, suas complicações e seus envolvidos,e é sugestão de leitura do Minny.na
"Vocês estão chegando na Casa de Detenção de São Paulo para pagar uma dívida com a sociedade. Aqui não é a casa da vovó e nem da titia, é o maior presídio da America Latina"; a apresentação do Presídio aos detentos recém chegados não vela nem encobre os olhos daqueles que entram nos Pavilhões sem a certeza de volta ao lar. Para alguns o caminho é só de ida.
Uma das coisas mais impressionantes, embora não imprevisível, é a capacidade do ser humano de organizar-se mesmo em tamanha conturbação. Regem-se novas leis e regras que vigoram com tamanha, ou mais eficiência, mesmo que com base na violência, do que aqui fora, na "sociedade livre". Em cativeiro, os homens, como os demais primatas, criam novas regras de comportamento com o objetivo de preservar a integridade do grupo. Esse processo adaptativo é regido por um código penal não escrito, como na tradição anglo-saxônica, cujas leis são aplicadas com extremo vigor.
Dráuzio Varella, no entanto, tem intenção de mostrar que a perda da liberdade e a restrição do espaço físico não conduzem à barbárie, e, quando presente, não somente a ela, como muitos de nós achamos.
Durante todo o livro, o autor descreve situações ímpares de dentro do Carandiru, como a forma que o dinheiro entra e influencia a vida carcerária. Seria de se pensar que em uma cadeia dinheiro algum além dos impostos pagos pelos cidadãos circulasse em seu interior. O que se vê, no entanto, é a infame necessidade do dinheiro para comprar do ladrão dono do xadrez um "concreto" para dormir.
A situação é especialmente alarmante para aqueles que chegam sem amigos, dinheiro e família. Valtércio, um detento, comenta: "Óh a situação do país, doutor, ter que pagar pra morar na cadeia".
Outro fato que chama atenção é a complexa rede de ligação entre os detentos.  Há normas claras e bem definidas de convivência, aceitação, moradia, nada parecidas com as reivindicadas pelos defensores dos Direitos Humanos. Chega-se a possuir eleições diretas para diversos cargos. Caso da FIFA (Federação Interna de Futebol Amador).
À metade do livro, o autor retrata histórias reais e chocantes de presos e personagens de tantas crônicas comentadas no decorrer do livro. Entre os mais de 7200 presos, o médico autor conheceu pessoas como Mário Cachorro, Sem-Chance, seu Jeremias, Filósofo, Loreta e seu Luís. O relato não busca denunciar um sistema prisional obsoleto e desumano, mas trata as pessoas caso a caso, mesmo em condições nada propícias à manifestação da individualidade.
O último capítulo relata as distintas versões do Massacre do Carandiru, de outubro de 1992; a maior chacina dos presídios brasileiros.
“Se minha intenção fosse matar, teriam morrido muito mais de 111", as palavras são do coronel Ubiratan Guimarães, que comandou o massacre da Polícia Militar no Presídio do Carandiru. Ubiratan foi considerado culpado pela morte de 102 pessoas e por tentativa de homicídio contra outras cinco. A pena foi de 632 anos de prisão em regime fechado, seis anos de prisão por cada morte: foi a maior condenação da história da Justiça brasileira.
De acordo com a denúncia oferecida pelo Ministério Público, apesar do grande tumulto e de sinais de fogo, não havia perigo de fuga. Com a chegada da Polícia Militar, os presos começaram a jogar estiletes e facas para fora, demonstrando que não resistiriam à invasão. Alguns colocaram faixas nas janelas, indicando um pedido de trégua.
Não houve, no entanto,negociação alguma. As tropas da Polícia Militar compostas por 325 PM's, invadiram às 16:30 o pavilhão 9 sob o comando e instrução do coronel, ação que seguiu até às 18h30.
Depois da tomada do térreo, sem resistência ou reação com armas de fogo por parte dos presos, segundo o depoimento dos próprios policiais envolvidos na ação, exceto o depoimento do coronel Ubiratan, os policiais partiram para os andares superiores. A maioria dos presos refugiou-se nas suas celas, onde muitos deles foram mortos.
Os PMs dispararam contra os presos com metralhadoras, fuzis e pistolas automáticas, visando principalmente a cabeça e o tórax. Na operação também foram usados cachorros para atacar os detentos feridos. Ao final do confronto foram encontrados, segundo a versão da polícia, 111 detentos mortos: 103 vítimas de disparos (515 tiros ao todo) e 8 mortos devido a ferimentos promovidos por objetos cortantes. Não houve policiais mortos. A ação resultou, ainda, em 153 feridos, sendo 130 detentos e 23 policiais militares.
A perícia concluiu que só 26 detentos foram mortos fora de suas celas. Os presos mortos foram atingidos na parte superior do corpo, em regiões letais como cabeça e coração. Os exames de balística informaram que os alvos sugeriram a intenção premeditada de matar. Um detento tinha 15 perfurações de disparos de arma de fogo no corpo. Diante de tamanha violência, muitos detentos se jogaram sobre os corpos que estavam no chão, fingindo-se de mortos para conseguir sobreviver.
Segundo a versão dos presos, foram mortos cerca de 250 presos.


Em 2002, iniciou-se o processo de desativação do Carandiru, com a transferência de presos para outras unidades. Hoje o presídio já se encontra totalmente desativado, com alguns de seus prédios já demolidos e outros que foram mantidos, para serem posteriormente reaproveitados. O governo do estado de São Paulo construiu um grande parque no local, o Parque da Juventude, além de instituições educacionais e de cultura.

Sucesso de vendas, com mais de 460 mil exemplares, Estação Carandiru conquistou também a crítica, em 2000 ganhou  o PRÊMIO JABUTI , e foi transformado em filme (CARANDIRU) por Hector Babenco em 2003.

* Alguns dados de pesquisa de Sandra Carvalho e Evanize Sydow

Um comentário:

  1. algumas das impressões que você descreveu eu tive também... acho que a mais forte impressão que eu tive foi a de que a vida é complexa (aonde quer que esteja) e que ela pode ser, ao mesmo tempo, sublime e cruel...

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